sexta-feira, 25 de maio de 2007

Destaque> Crítica do Filme "Cartola"

Cadê Agenor

por: Thobias Almeida


Abrem-se as cortinas do filme na cena em que o violão de Cartola se cala para sempre. Em seu funeral, a voz de Jards Macalé ecoa passagens de Memórias Póstumas de Brás Cubas, livro de Machado de Assis. Por quê? Porque Angenor de Oliveira, o Cartola, nasceu no ano em que Machado finalizou o livro da vida. Os realizadores do filme, Hilton Lacerda e Lírio Ferreira, tentam assim realizar um diálogo entre o mestre do samba e o mestre de nossa língua pátria. E como em Memórias, do funeral partimos para o início, para o toque ainda incerto de um malandro que levou a música muito a sério.

A cinebiografia Cartola-Música para os olhos (Brasil, 2006) não adota um modelo popular, se assim pode-se dizer. É entrecortada por cenas reais e fictícias, numa miscelânia às vezes agradável, outras tantas confusas. Há depoimentos de amigos e antigos parceiros, como Carlos Cachaça, cenas jogadas à revelia de um propósito mais sólido, apenas para contextualizar o Brasil da época. Não há necessidade de contextos para os gênios, eles serão gênios tanto numa Roma coberta pela chama de Nero quanto num morro poeirento carioca. Cartola não foi influenciado pelo meio, pelo contrário, fez a natureza dobrar-se ao seu talento. Um gênio sem escola, mas com uma sabedoria ímpar.

Fica a sensação de vazio quando procuramos pelos vestígios de um homem comum em Cartola. A biografia nos mostra um personagem, respeitado, admirado, sofrido, mas não os momentos de um homem simples, com seus defeitos, esquisitices, com a mediocridade inerente ao dia a dia de qualquer ser humano, mesmo o do gênio. Onde está o Cartola ordinário, no bom sentido da palavra? Terá ele sido sempre Cartola, nunca Angenor? Essa é a dificuldade de se retratar ícones, mitos que fincaram irremovíveis raízes na cultura popular.

Com uma proposta de narrativa diferente, não-linear, mas imperfeita devido ao acréscimo de imagens que pouco acrescentam ao filme, Cartola-Música para os olhos nos abre a janela da sala do sambista. Muitos gostaríamos de navegar por debaixo de sua cama ou por dentro de seu armário.

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